domingo, 16 de agosto de 2009

Falando sério [?]

O projeto "Nos palcos acadêmicos" propõe um espaço para a crítica, exposição e diálogos reflexivos com os alunos das Escolas de Artes Cênicas do Rio de Janeiro, sobre seus respectivos trabalhos. Entrevista com Jefferson Almeida, aluno do curso de Teoria do Teatro, da UNIRIO, sobre a montagem que dirigiu de "Calabar, o elogio da traição", na Universidade, e como se dá o encontro da Academia, hoje, com o musical.

by Pedro Struchiner

Mariana Barcelos - Porque montar um musical na Academia se o musical tem certo apelo mercadológico no Rio de Janeiro (influência da Broadway), diferente das propostas de encenação comuns na Universidade?
Jefferson Almeida - Montar um musical, em qualquer circunstância, dentro ou fora da Academia, parece-me sempre desafiador. É uma linguagem cheia de melindres e de códigos que é preciso conhecer. A Academia é o espaço para o conhecimento e a experimentação das diversas linguagens teatrais, desde o naturalismo Stanislavskiano até o teatro orgiástico do Zé Celso, passando por Brecht, pela performance, sendo assim, parece-me ser o lugar mais apropriado para o conhecimento destes tais códigos do teatro musical.

M - Como se deu a escolha por Chico Buarque e Ruy Guerra? A dramaturgia ajuda na "contra-corrente-Broadway"?
J - Eu não acho que ser "Broadway" seja sinônimo de “ser ruim”, então, não vejo porque criar uma "contra-corrente". As pessoas, na Academia, têm, não sei bem porque, certa rejeição pelo teatro musical, como se fosse um gênero maldito, como se fosse extremamente vazio, enfim, como se nada tivesse a dizer; mas, penso, esse "vazio" pode ser encontrado em todos os gêneros, tudo depende do que você escolhe montar e de como o faz. E é aqui, no "o quê?" que entra o Chico e o Ruy. Montar Chico lhe dá todos os álibis, porque o censo comum já gosta antes mesmo de ter visto e, conseguintemente, todos os problemas, afinal tem-se que suprir essa expectativa. Nós queríamos estudar teatro musical, tentar entender esses códigos, mas, queríamos partir de um autor nosso, brasileiro, logo veio o nome do Buarque, e, em seguida, "Calabar", escrita em parceria com Ruy Guerra. Era uma peça com personagens extremamente bem construídos pelos autores, com músicas belíssimas e com uma linguagem muito própria, apesar de inspirada. Este espetáculo bebe muito nas nascentes brechtianas (que, aliás, enquanto vivo, teve suas parcerias com Kurt Weill, recorrentemente, montadas na Broadway), trabalha com a interrupção das cenas, com a fala direta para o público, com o comentário, com a contenção, aí pode parecer uma "contra-corrente", mas não é; é, antes, uma necessidade do próprio espetáculo, que para ser grandioso é preciso ser mínimo. Então a dramaturgia não ajuda na "contra-corrente-Broadway", ela exige a sua linguagem. Esse é, por exemplo, um dos códigos que nós descobrimos durante o processo de montagem: cada peça de teatro musical tem clima, atmosfera e ritmo ditados pelas músicas que o compõe, então, apesar de todas as diferenças, aquela peça sempre será igual.

M - Como você avalia o lugar (ou não lugar) do teatro musical na UNIRIO? Que mudanças podiam haver neste sentido – teóricas e práticas?
J - Antes de qualquer mudança institucional, é preciso que as pessoas, alunos e professores – afinal, são todos pensadores e formadores de opinião – parem de olhar torto para esse gênero tão rico. Tive, no elenco do "Calabar", um ator que revelou, depois de algum tempo em contato com a peça, que estava absolutamente surpreso com o conhecimento das linhas de narrativa, por assim dizer, que era preciso ter para, por exemplo, dizer a primeira fala da sua personagem. Não é fácil fazer musical, como não é fácil montar um Tchekhov; reconhecer essas dificuldades, sem duvidar delas, já é um bom começo. Depois, é claro, eu sugeriria que houvesse, pelo menos, uma cadeira, dedicada ao gênero. Afinal, fala-se mal, sem conhecer os interiores da forma.

M - Existe uma demanda por parte dos alunos por este formato?
J - É claro que existe. "Calabar" surgiu por essa demanda, nós queríamos conhecer o gênero e, depois de começado o processo, descobrimos que muitas outras pessoas queriam, também, se experimentar no gênero, furando aquele olhar enviesado de que falei. Agora o Profº. Rubens Lima Jr. (depois de ter dirigido, na UNIRIO, "Canções para um mundo novo" e "Canções para um amor perdido", ambos musicais) está montado, também projeto de alunos, "Cambaio", mais um musical do Chico, com estréia prevista pra Setembro. O curso de extensão de Técnica Vocal pra teatro musical tem suas turmas lotadas, então, demanda tem, falta a Academia acreditar nisso.

M - E de público?
J - Bem, eu tive todas as minhas sessões lotadas. Tivemos público até quando não tínhamos figurinos. Os dois últimos grandes sucessos de público na UNIRIO, pelo que se sabe são "A árvore dos mamulengos" (2007) com direção da Simone Kalil, musical, e "Roda Viva" (2005) com direção da Patrícia Zamproli, musical. Não preciso nem dizer que, no mercado, o musical já demarcou seu território.

M - Fale um pouco da sua experiência pessoal com o teatro musical.
J - Eu estreei, profissionalmente, como ator, em 2004, num infantil, no Teatro Ipanema (teatro onde, anos depois, eu fiz, também, a minha estréia profissional como diretor). Era o "Flicts" do Ziraldo e era um musical. De lá pra cá a minha relação com o musical só se estreitou; continuei as aulas de dança, entrei pra aula de canto (coisa que eu fazia meio que intuitivamente), enfim, eu estava absolutamente encantado com a gama de possibilidades, e de exigências, que aquele gênero me proporcionava. Trabalhei em alguns outros musicais – e, claro, não-musicais que também amo fazer. Em 2006, eu tinha acabado de entrar pra UNIRIO, quando, lendo o "Mar morto" do Jorge Amado, pensei que podia levá-lo à cena, comecei a adaptação e, quando me dei conta, ele era um musical que, em 2007, entrou em cartaz no Ipanema. Me vi, agora, às voltas com uma outra experiência – dirigir alguma coisa na Academia – e, novamente, o que se apresenta é um musical.

M - Perspectivas de outras produções no mesmo gênero?
J - Claro. O musical é sempre um gênero que marca e/ou divide uma fase na minha carreira; não posso negar o meu imenso prazer de fazer, como ator e/ou diretor. Não sei o que virá, não tô planejando nenhum espetáculo musical pra agora – além de continuar com o "Calabar" num projeto chamado "Circuito Nova Cena", estou no início de processo para uma montagem de "Um bonde chamado Desejo" de Tennessee Williams, pra Setembro – mas se, como das outras vezes, um deles se apresentar, não recusarei.

Entrevista realizada por Mariana Barcelos
Fórum Virtual de Literatura e Teatro

www.pacc.ufrj.br/literatura/entrevistas/entrevista_jefferson.php
Junho/2009

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